Sempre nos emocionamos com a vista aérea da Baía de Guanabara. Cada vez que voltamos para o Rio pelo aeroporto Santos Dumont, ficamos espantados com sua beleza e sua dimensão. O desenho harmonioso das montanhas fazem da Baía de Guanabara a essência do cartão postal mais bonito da cidade.
Vista do alto, a Baía é uma das paisagens mais belas do mundo. Por isso, a cada ano, o Corcovado e o Pão de Açúcar, as duas principais atrações turísticas do Rio de Janeiro, recebem juntos mais de 3 milhões de visitantes. O principal motivo dessa movimentação é o visual que inclui – é óbvio – a Baía da Guanabara.
Ainda assim, os governantes do Estado e do Município do Rio de Janeiro não se conscientizaram sobre a importância vital de despoluir a Baía. E o pior, desperdiçaram o momento da Olimpíada para realizar esse trabalho. Para imaginar a dimensão de poluentes, como o óleo de grandes embarcações que são lançados diariamente na Baía de Guanabara, basta olhar para seu entorno.
A Baía de Guanabara abriga a segunda maior região industrial, o segundo maior porto do Brasil, dois aeroportos, duas refinarias, serviços navais, estaleiros e um intenso movimento de transporte terrestre e marítimo. “A Baía oferece um mundo de serviços sem que exista uma única taxa que seja revertida para seus cuidados”, diz David Zee, oceanógrafo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). “A natureza faz um trabalho escravo.”
Sua bacia hidrográfica de quase 4 mil km² atinge áreas de 15 municípios – Rio de Janeiro, Duque de Caxias, São Gonçalo, Magé, Guapimirim, Itaboraí, Tanguá, Niterói, Nova Iguaçu, Cachoeiras de Macacu, Rio Bonito, São João de Meriti, Mesquita, Nilópolis e até uma pequena parte de Petrópolis. Com tantos atores envolvidos, articular políticas comuns, como o próprio saneamento básico, é um enorme dilema.
Falta de articulação, projetos impossíveis de serem executados e dificuldades em assumir responsabilidades fizeram da proposta de despoluir a Baía um emaranhado de dificuldades e procrastinações. O maior problema apontado pelo oceanógrafo David Zee esbarra em uma questão delicada, as favelas. A ocupação da zona costeira de forma desordenada e irregular degrada as margens da Baía, aumenta a violência na região e dificulta ainda mais os projetos de saneamento.
“Não é possível pensar na despoluição da Baía de Guanabara por meio de saneamento básico quando metade da população que joga esgoto na Baía está em favelas e não em cidades formais”, diz Zee. “Se já é difícil executar esse trabalho em situação normal, é quase impossível em locais controlados por milícias.”
Para Zee, a saída estaria em colocar unidades de tratamento nos rios que desembocam na Baía trazendo toneladas de lixo. “Mas aí, aparece outro problema: quem vai assumir o trabalho?”
Mas a saúde da Baía nem sempre foi tão crítica assim. Em 1818, o naturalista francês Joseph Paul Gaimard, que se dedicava à descoberta de novas espécies no Rio de Janeiro, confessou aos amigos que não gostava de navegar pelas águas da Baía de Guanabara. Não pela sujeira que, na ocasião, não existia. O naturalista temia algo bem maior! O movimento das baleias que nadavam na região era tão intenso que ele tinha receio que os cetáceos pudessem afundar seu barco. E, até os anos 1950, era ainda possível avistar alguma baleia na Baía.
Hoje, o único mamífero marinho que habita as águas da Baía de Guanabara é o boto-cinza (Sotalia guianensis) e, ainda assim, em número muito reduzido. Em 1985, pesquisadores registraram a presença de cerca de 400 indivíduos habitando a Baía. Hoje, esse grupo não passaria de 34. A última vítima, conhecida pelos pesquisadores como Acerola, foi encontrada morta por funcionários da Comlurb em 15 de junho passado. A Uerj, que mantém o Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores Profª Izabel Gurgel (Maqua), apelidou esses grupo, que diminui anualmente de tamanho, de “heróis da resistência”.
De acordo com os pesquisadores do Maqua, o boto passa a vida no mesmo local onde nasce. Os pesquisadores identificaram que o boto possui uma estratégia de ecolocalização que permite que o animal detecte os objetos que estão no mar. A capacidade de reconhecer os locais e detectar o perigo permite que a espécie continue existindo em ambientes impactados. Dessa forma, os botos conseguem escolher um local menos poluído para sobreviver. É o caso dos botos que vivem nos 20 km² da Estação Ecológica da Guanabara que, ao lado da APA Guapimirim, é um dos poucos lugares onde não é permitido redes de pescar e tem pouca presença de seres humanos.
Os pesquisadores do Maqua também identificaram a morte das tartarugas-verdes na Baía de Guanabara. Lixo, poluição química e atropelamento por barcos são as principais causas do desaparecimento das tartarugas que ousam se aventurar pelas águas fluminenses. A espécie também é considerada como ameaçada de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
Chegando a medir um metro de comprimento e a pesar quase 200 quilos, as tartarugas-verdes (Chelonia mydas) vêm de longe. Elas se deslocam desde as ilhas oceânicas como Fernando de Noronha (PE), Trindade (ES), Atol das Rocas (RN) e até algumas regiões costeiras brasileiras. A Baía de Guanabara entra na rota de migração como um potencial porto seguro para as tartarugas juvenis, durante seu crescimento e sua reprodução.
Esses dados foram levantados pelos alunos do programa de Mestrado em Práticas do Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que organizam o seminário “Sustentabilidade na Baía de Guanabara”, a ser realizado de 27 a 29 de julho, na Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. O Professor David Zee fará a abertura do evento. Para saber mais: https://www.facebook.com/vseminariodialogos/?fref=photo